domingo, 12 de junho de 2011

QUANDO SER GAÚCHO VIRA UM ESTILO DE VIDA

São duas horas de uma tarde tranquila na pequena cidade de Brochier. Estaciono e, ainda dentro do carro, enxergo do outro lado da rua aquele homem barbudo a me olhar com curiosidade. José Ricardo de Prado, o “Rico”, é figura conhecida na cidade. Aos 55 anos, comanda o Bolicho do Gaúcho, um bar famoso por sua excentricidade. Sou recebido com um sorriso simpático e convidado a entrar no recinto apinhado de gente. Já nos primeiros passos em seu interior, entendo o porquê da fama do bar – dou de cara com cabeças de boi empalhadas, berrantes, laços, rodas de carreta e uma infinidade de outras coisas penduradas nas paredes. A música que se ouve ao fundo vem de uma vitrola localizada em um canto do Bolicho, a voz de Gildo de Freitas se mistura com o burburinho dos clientes. Sentamos em tocos de madeira – não existem cadeiras no bar – e começamos uma conversa descontraída.
Eu cultivo a tradição”, Rico diz com orgulho. “Uso a pilcha por que gosto, não pra me aparecer.” Um sorriso largo surge no seu rosto quando pergunto sobre os cabelos longos e a barba saliente. “Quando eu era piá, sonhava em ter a barba e os cabelos compridos. Tanto que quando minha barba começou a aparecer me neguei a apará-la. Minhas filhas nem me conhecem sem barba, para elas sou assim desde sempre”, diz ele.
Rico me conta que com 15 anos comprou sua primeira bombacha e que de lá pra cá não usou mais outra coisa. “A única vez que eu usei calças foi no meu casamento, há 32 anos”, revela. “Outra coisa que não uso é sapato. No meu pé só entra bota, alpargata ou chinelo campeiro.”
Como proprietário do Bolicho do Gaúcho, Rico tem uma rotina pesada. “Moro aqui e passeio em casa”, conta. Apesar das dificuldades, ele diz que gosta do que faz. “Toda a minha família já se acostumou. Tenho o bar há 14 anos e pretendo continuar até quando eu puder”. Por conta da fama do estabelecimento, Rico fez inúmeras amizades com artistas gaúchos, em sua maioria músicos tradicionalistas. Ele fala com orgulho das festas que promove no Bolicho. “A folia dura o dia todo. Quando o sol nasce já estamos assando cabeças de porco, “bagos” de touro (testículos) e mais um monte de outras carnes”, diz ele. Participam dessas festas artistas como Zé Araújo, Crioula dos Pampas, Tio Nanato, Lobo Véio e até uma filha de Gildo de Freitas, Deusinha de Freitas. “A Deusinha esteve aqui na semana retrasada”, conta.
Um dos momentos marcantes na vida de Rico foi sua participação no Programa do Jô, da Rede Globo, em uma reportagem sobre a cidade de Brochier gravada para um quadro que focava municípios com nomes incomuns. “Eles vieram aqui no bar com todos aqueles aparelhos modernos”, diz. “Depois que a reportagem foi ao ar, pessoas de outras cidades vinham aqui tirar fotos e tudo mais. Ainda hoje me reconhecem nos lugares para onde vou”, revela orgulhoso.
Quando o assunto já ia ficando escasso, reparo na unha enorme que Rico ostenta no polegar esquerdo e pergunto sobre ela. “Essa unha é herança de um acidente de trabalho. Ela cresceu por cima da outra machucada e, para não correr o risco de ficar sem unha nesse dedo, deixei ela crescer”, diz ele. Rico me conta que aparou a unha pela última vez há mais de dois anos. “Quando os clientes perguntam por que deixo a unha crescer, falo que é para pegar os ovos de codorna em conserva do fundo do pote”, revela às gargalhadas.
Já no fim da conversa, pergunto se ele sofre algum tipo de preconceito em relação ao seu modo de vida e ele me diz que não. “Pelo contrário, as pessoas me dão os parabéns pelo meu jeito. Acho que todo mundo carrega nas veias a tradição e a cultura gaúcha, mas poucos tem coragem para vivê-las ao extremo”, diz Rico. Nos despedimos com um forte aperto de mão e ele me convida a voltar quando quiser. “Os ovos curtidos são cortesia da casa”, brinca. Agradeço a gentileza, mas intimamente descarto a possibilidade. Melhor não arriscar, não é?
Émerson da Costa

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