terça-feira, 14 de junho de 2011

O NATAL DE PAPAI NOEL

Sentei-me ao lado de Alexandre Steffen, jornalista escritor dos jornais Fato Novo e Visão do Vale, 37 anos e pai de Mathias. Em minhas mãos, o formulário que havia feito para dar o pontapé inicial na entrevista, instantes antes. Delicadamente, ele pega no meu braço e diz: “Quer um conselho de alguém que já fez muito isso?” Hesitei um pouco, mas olhei para ele firme. “Converse comigo. Você anota o que foi preciso que na hora de escrever, tudo se encaixará.”
 Assenti com a cabeça.  
                       
-O natal é o ponto mais alto do ano para mim- disse Alexandre Steffen, quando o questionei sobre o trabalho voluntário plausivelmente realizado a cada natal, desde o início da década de 90.
Foi um inicio triste. Uma avalanche na cidade de Bom Princípio, pequeno município situado no Vale do Caí, onde reside e realiza sua estupenda boa ação, matou várias crianças, comovendo a população. Era pleno dia de Natal. No auge da juventude de seus 17 anos, a exemplo de seu pai, Alexandre vestiu-se pela primeira vez de Papai Noel,para entregar uma bicicleta na vizinha, a pedido da família. Na jovialidade de sua ação, tropeçou e caiu. – O tombo foi feio- recorda com os olhos distantes, e um canto dos lábios ligeiramente levantados, revelando o sorriso derradeiro. Mas isso não o fez desistir, e, ao contrário, com o passar do tempo, ganhou dois companheiros, André e Jocelito. Foi no ano de 1994, quando seu trabalho voluntariado ganhou novas dimensões. No primeiro ano foram somente balas, que fizeram a alegria das crianças. No segundo ano balas e bombons, provinhas de doações anônimas e da prefeitura que exaltavam o incentivo e apoio visível a esse trabalho.
- Paraíso, local mais recorrido para a distribuição de nosso trabalho voluntário, possui um nome contraditório, são famílias miseráveis, grandes, vivendo em palafitas. Assemelha-se muito ao inferno. Numas das casas, havia uma senhora grávida cercada de sete crianças, com seus olhinhos atônitos de curiosidade. A mais velha, de 14 anos, aguardava também, uma nova criança. Não hesitamos em deixar o rancho que havíamos feito, lá.-Declarou-me ele.
Ano após ano, com a proporção que semblante ação ganhava, também elevou-se o número de interessados em contribuir de alguma forma. – Certa empresa, em um natal que me recordo, levantou um orçamento para a fabricação de bolas de futebol, ao preço de R$ 1,70 a unidade. Foi uma euforia enorme, e neste ano foram confeccionadas 600 unidades. – ressaltou Alexandre, conferindo gestos a sua lembrança.
- Porém- continuou ele – o que não esperávamos, era o erro da divulgação dos preços das bolas. Elas, ao contrário do que se havia dito, não custariam R$ 1,70. A errata resultou num pulo para R$ 7,10, que levou assustadoramente a conta final. Como o dinheiro não deu conta da encomenda, investimos nosso 13º e boa parte do salário- contou, levantando essa como uma das maiores dificuldades enfrentada, nos anos de trabalho.
Contudo, o desânimo provindo deste ano que havia passado deu espaço ao um novo personagem: o Rotary Club. A entidade, que ajudou papai Noel, preencheu, além da esperança, o sentimento natalino com uma doação de R$ 4.OOO em brinquedos,somando R$12.OOO, em três anos.
- O Rotary Club contribui todos os natais desde então, e surgem cada vez novos membros, e cada vez novas empresas doando, além de brinquedos, roupas. - Alegra-se o dito bom velhinho, que neste caso, nem é velho.
            Nesses anos todos, sempre na véspera de Natal, ele se veste com a roupa vermelha, pega seu saco, se junta a seus dois companheiros, e saem no costumeiro Ford modelo A, de 1929, que não tenha dúvidas, chama a atenção. -Só não chamou mais atenção que o transporte da Padaria Balzan, de Bom Princípio mesmo, utilizado uma vez.
- De cima, eu gritava ‘ olha o cacetinho!’- Lembrando das histórias engraçadas que se desenrolaram nesses anos. –Já fui pego por um cachorro, rasguei a calça, me descuidei ao acenar e bati no estepe. Foi quando caí de cima do carro e dei cambalhota, arrancando largos sorrisos no rosto das pessoas. Foi o dia em que passei a ser conhecido como papai Noel malabarista. - Ele pausa para sorrir. - E passou-se 10 anos, até as pessoas descobrirem quem era o papai Noel de fato. Hoje me chamam carinhosamente de papai Noel Lexie- se ri Alexandre. E afirma que ama o que faz, mesmo sendo cansativo.  Tratam-se de 8 horas corridas para dar conta da demanda, que valem e compensam cada segundo. São entregas de presentes, de beijos, de abraços, algumas vezes lágrimas, e esperança.   
            - Mas não visito somente crianças, não. Já visitamos irmãs ermitãs, que viviam isoladas do resto da cidade, no alto de um morro, sem acesso a internet e nada. E viviam felizes assim, somente com a companhia uma da outra. Certa vez, uma vovó me pediu um abraço, da sacada da sua casa, mas ela mesma quis vim receber. Ao vê-la descendo as escadarias levei um choque. Com a bacia quebrada, ela vinha lentamente, se arrastando, degrau por degrau. Foi uma cena única, emocionante. Não tem o que falar diante disso. É nesse momento que percebemos a força do sentimento natalino, e a maneira que ele paira sobre as pessoas. - Reflete ele.
            -Também mexe com a gente ver crianças vestidas com a mesma roupa que haviam recebido no ano anterior, felizes, aguardando os brinquedos, e a chegada do papai Noel. –Completa, com um sorriso invejável. Ao sentir o desenrolar da história, o que mais me admirou no contexto todo foi perceber por si mesma que nada disso é feito esperando fama, ou algo em troca. Tão normal como cada um de nós, Alexandre só quer o melhor para os outros, ainda mais se essas pessoas precisam de um carinho, uma atenção a mais. A História de um homem comum, mas com um íntegro valioso, e muito interessante. 
Vanessa Preuss

segunda-feira, 13 de junho de 2011

BISAVÓ

Infelizmente quem conta essa historia não é Aiko, que com certeza passou por muitos outros fatos interessantes, e sim seu bisneto Lucas Yamaguti, pois a senhora Okamoto, mesmo depois de residir 78 anos no Brasil, nunca aprendeu de fato a falar nossa língua.
            Querendo deixar o país livre de pobres no começo da década de 30, o governo Japonês prometia uma vida mais fácil no Brasil, havendo então uma grande imigração japonesa em nosso país.  Aiko Okamoto, aos seus 16 anos, tendo recém casado e já grávida, vendo que não teria condições de criar seu filho naquele país, pois era muito pobre, decidiu vir ao Brasil, para tentar a vida que havia sido prometida. Vieram então para São Paulo, em 1933, Aiko, seu marido Akio, seus pais, e três irmãos.  Quando chegaram à terra prometida não levou muito tempo para perceberem que tudo isso não passava de lorota para que saíssem de seu país de origem, e não tendo dinheiro algum para voltar, a família Okamoto permaneceu por aqui, trabalhando arduamente e mal ganhando para se alimentar.
Neste meio tempo, a mãe de Aiko engravidou também, e as duas tiveram seus bebês quase na mesma época. Aiko sobreviveu, mas sua mãe não resistiu ao parto. Ela teve que dar conta das duas crianças. Muito pobre não tinha nem onde coloca-los para dormir, então usava as gavetas de uma cômoda como berço para os bebês. Além de a comida ser pouca, o leite de Aiko era escasso, e a criança de sua mãe acabou falecendo também. Felizmente seu bebê vingou, e cresceu saudável. 

Com o tempo a família Okamoto conseguiu estabilizar-se aqui no Brasil, e mais 14 filhos vieram depois desse primeiro. Akio já é falecido, mas Aiko, hoje aos seus 92 anos de idade, mora em São José do Rio Preto, em São Paulo, com duas de suas 15 filhas.

Izadora Meyer

A DIFERENÇA ENTRE O PROFESSOR E O BOM PROFESSOR

A arte de ensinar, não é um processo fácil e essa tarefa sobra para o professor, a qual seguimos cada passo e cada palavra ainda pequenos e já adultos somos espelhos e reflexos do que eles nos ensinaram. E nessa missão Luiz Alberto de Souza Pedroso com 62 anos, faz o diferencial na cidade do litoral gaúcho.
Conhecido como professor Pedroso, se torna uma pessoa diferente a cada dia, com uma sabedoria distinta, um sorriso solidário e acima de tudo sempre levando à caridade e a bondade as pessoas. Pedroso é professor de biologia, química, palestrante do CECLIMAR (Centro de Estudos Costeiros Liminológico e Marinhos) e nas horas vagas fotógrafo de imagens sensíveis, nas quais escreve suas mensagens e expõe assim como seus livros.
Com poucas perguntas, pois o tempo era curto por sempre estar correndo, me mostrou o muito que faz e torna as pessoas a sua volta.
Entrevista:
·         Como começou essa paixão em dar aulas?
Teve inicio ainda na faculdade na década de 70, na FURG (Fundação Universidade do Rio Grande). Era monitor da disciplina de Bentologia (Estuda os animais e seres vivos que possuem uma relação com o substrato)
·         Como está a situação da educação?
Hoje a educação passa por uma fase angustiante, pois os valores (éticos e morais) vieram abaixo. Isso é somado à desarticulação das famílias, portanto encontramos educandos sem educação, ou seja, sem limites, agressivos, mal educados e achando que possuem todos os direitos de fazerem o que querem.
Necessitamos refazer um reeducar de nossa sociedade, quanto aos valores humanos em que o Ser não seja asfixiado pelo Ter.
·         Como ocorre o apoio nas escolas municipais em relação à educação e o gerenciamento?
As escolas municipais têm uma assistência de melhoras tanto da parte infroestrutura, como na educação, pois são mais presenciais e possuem mais facilidade de gerenciar e administrar seus núcleos escolares. Já o estado possui disparidades e necessidades a serem saneados e melhor gerenciados. Lógico que o estado devido ao maior volume de escolas e de complexidades possui o que se demonstra forma presencial mais distante e um gerenciamento atenuado.
·         Qual o maior obstáculo na aprendizagem atualmente?
O método de aprendizagem esta muito eficiente e modernos comparados ao início do século XX. A fase do ensino fundamental apresenta ou esta constituída de profissionais educadores muito dedicados, às vezes, superando o seu nivelamento de preparação.
Esse fato ocorre porque o ensino básico é de real importância na caminhada do iniciante educando.
·         Seu método de dar aula é muito comentado, como ocorre?
Com aulas diferenciadas e elaboradas utilizando o seguinte triple: qualidade, criatividade e provocações (pensar, repensar, fazer e refazer).
Além disso, que elas podem ser também inseridas no meio ambiente, isto é, alem das paredes da sala de aula.
·         Como ocorre a procura pelas suas palestras, e a faixa etária de ensino que o senhor abrange?
Minhas aulas são direcionadas do Ensino fundamental, médio e Universitário e outros grupos (para professores e a terceira idade). E os interessados na palestra sobre o meio ambiente ligam marcando para o Ceclimar.
·         Quantos livros seus foram publicados?
Foram três livros e dois serão lançados sobre a Barra do Ouro e Maquiné. Participei da agenda Literária de Porto Alegre, tenho algumas poesias traduzidas na Alemanha tendo sido divulgadas em Jornais e revistas.
·         Como surgiu essa idéia interessante de tirar fotos de pessoas e situações diferentes e passar essa mensagem?
Isso surgiu numa experiência na década de 74, a qual participou de um pequeno concurso fotográfico e isso foi sendo acrescido como um fermento devido aos ambientes e pessoas que despertam curiosidade, animação e beleza.
Finalizamos a entrevista com uma conversa sobre as dificuldades da vida, do cotidiano e ele deixou está mensagem sobre o mal tempo:
As tempestades parecem eternas, angustiam, apavoram, mas se extinguem com o sorriso solar que a faz terminar.
Priscila Roque

ALDEIAS SOS


Toda criança merece um lar amoroso e sadio para crescer. O objetivo das Aldeias SOS, uma organização não governamental, é garantir os direitos da criança e do adolescente. Acolhe crianças abandonadas ou que sofreram violência doméstica, proporcionando-lhes um ambiente familiar e uma formação sólida para alcançarem uma vida autônoma.
Raquel Oliveira é uma das inúmeras crianças que passaram por uma Aldeia e que foram apadrinhadas por estrangeiros. Hoje, Raquel é acadêmica do curso de Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Também já foi entrevistada anteriormente pelo jornal Zero Hora (em 2005 e 2010).  Com mais experiência, Raquel, considerada por muitos uma pessoa interessante, conta sua vida mais uma vez.
A seguir, a entrevista concedida por e-mail.

Como era a vida na Aldeia?
Nunca nos faltaram mantimentos e apoio aos estudos. Neste sentido, foi maravilhosa.

Qual foi tua reação ao saber que foste adotada por uma pessoa estrangeira, que talvez nunca viesses a conhecer?
Na verdade, fomos 'adotados' pela instituição Aldeia. Os padrinhos só ajudam financeiramente, ou através de cartas. Eu fui para a Aldeia quando eu tinha um ano e quatro meses. Não percebi que era 'adotada', simplesmente cresci naquele contexto.

O que sentias ao saber que poderias ir à Alemanha visitar tua madrinha? Como foi conhecê-la pessoalmente?
Muita ansiedade! Conhecia a Rita somente por carta, foram anos de correspondência por carta. Mas depois, foi maravilhoso e repleto de muita emoção e carinho. Não conseguíamos falar nada, nos abraçamos muito e choramos mais ainda. Naquele momento, acho que a melhor comunicação que podíamos ter já estávamos tendo através do afeto que sentíamos uma pela outra. Fiquei lá um ano.

Anteriormente, foste entrevistada pelo Jornal Zero Hora. Como te sentiste ao falar sobre tua vida?
Bom, a primeira entrevista foi em 24 de janeiro de 2005, e foi um acontecimento bombástico na minha vida. Primeiramente, porque jamais pensei que minha vida interessaria a alguém, menos ainda que ela seria capa da Zero Hora. Sempre fui uma pessoa muito reservada no que diz respeito a minha vida, talvez por medo de ser rejeitada novamente, ou por ter vergonha em me abrir. Naquela época, muitos amigos não sabiam que eu havia morado na Aldeia, embora todos soubessem que eu estudava alemão. Entretanto, foi muito emocionante. No dia em que me li no jornal pela primeira vez, senti muito orgulho de mim, talvez pela primeira vez.  As entrevistas posteriores já foram mais 'tranquilas', mas confesso que sempre tenho vergonha de dar entrevista ou de falar sobre mim. 

Achas que existe diferença entre a tua pessoa, que cresceu em uma Aldeia, e uma criança que cresceu junto a uma família convencional? Já sofreste algum tipo de preconceito por causa da tua história de vida?
 Bom, aparentemente eu nunca sofri qualquer tipo de preconceito por ter morado na Aldeia. Entretanto, se olharmos para um contexto  de Aldeia, onde uma 'familia' é formada por crianças que foram 'maltradas ' por sua 'família sanguínea' e só por isso foram 'unidas', você há de convir que haverá muitas diferenças entre uma 'família normal' e uma 'família aldeana'. Fazendo faculdade, percebi a grande diferença entre 'educar' uma criança e 'criar' uma criança.

Por que escolheste cursar Letras: Português-Alemão?
Primeiramente, para poder falar com minha madrinha alemã. Queria falar na língua dela 'muito obrigada por tudo', e depois, porque adorei o idioma.

 Na tua opinião, o que é uma pessoa interessante?
Uma pessoa interessante é uma pessoa que tem personalidade e que não é óbvia. Alguém que me surpreenda e chame a atenção positivamente, e sempre. 

O que te faz interessante?
Não saberia te responder a essa pergunta. 
Betina Veppo









domingo, 12 de junho de 2011

TRAÇOS DO DESTINO

Ao amanhecer, tomamos rumo ao nosso cotidiano e ao passar dos dias e horas raramente nos deparamos com pessoas interessantes. Acredita-se que nesses desencontros da vida é que surgem esses casos extraordinários. Muitos acham que ao passar dos anos e cada vez que ficamos mais velhos, as pessoas passam a ser mal de espírito, tristes e insatisfeitas, no caso, quanto mais novos, mais felizes.
Rosangela é uma senhora de 44 anos, que em minha opinião seria a pessoa mais jovem do mundo, pois sua alegria contagiou a todos desde que passou a trabalhar na Secretaria de Saúde de Sapucaia do Sul. Uma baiana que por trás de tantos sorrisos e canções cantaroladas pelos corredores há uma vida sofrida, uma criança que passou por diversos preconceitos, fome e foi agredida por pessoas que não conhecia.
Segundo ela, tudo começou quando havia apenas nove anos de idade e sua mãe passou a desprezar e junto consigo os seus quatros irmãos. Sem motivo algum a mãe dedicou todo seu tempo ao padrasto e as crianças ficavam na rua ou onde bem quisessem. Sendo assim, Rosangela decidiu ir para a casa dos tios, mas foi humilhada. Sem ter o que comer ou um local para dormir, achou melhor começar a trabalhar em casas de família porque eles ofereciam estudos; algo que nunca lhe deram.
Aos quinze anos ela decide casar-se, pensou que seria uma maneira de ter um lar, abrigo e comida, porém, tudo veio a ser diferente. Após ganhar seu quarto e ultimo filho e ver que as coisas não mudavam, ela disse que ali não era mais o seu lugar e que estava na hora de ir à busca de novos horizontes e encontrar sua felicidade. Veio trabalhando em casas e empresas como faxineira, até que instalou-se e decidiu ficar em Sapucaia do Sul.
Atualmente, faz seis meses que não fala com seus filhos, a princípio o telefone não é o mesmo. Seu sonho é revê-los e ser enfermeira, que em sua opinião, é uma profissão linda. Ajudar os outros e ser solidário é o que realmente tem valor significativo.  Sorrir é essencial porque limpa e ilumina a alma, deixa o dia melhor, atrai mais sorrisos e ajuda a esperança ficar ativa no coração. Não menos sonhadora ou persistente, seu destino simplesmente já estava traçado.
Luana Andrade





QUANDO SER GAÚCHO VIRA UM ESTILO DE VIDA

São duas horas de uma tarde tranquila na pequena cidade de Brochier. Estaciono e, ainda dentro do carro, enxergo do outro lado da rua aquele homem barbudo a me olhar com curiosidade. José Ricardo de Prado, o “Rico”, é figura conhecida na cidade. Aos 55 anos, comanda o Bolicho do Gaúcho, um bar famoso por sua excentricidade. Sou recebido com um sorriso simpático e convidado a entrar no recinto apinhado de gente. Já nos primeiros passos em seu interior, entendo o porquê da fama do bar – dou de cara com cabeças de boi empalhadas, berrantes, laços, rodas de carreta e uma infinidade de outras coisas penduradas nas paredes. A música que se ouve ao fundo vem de uma vitrola localizada em um canto do Bolicho, a voz de Gildo de Freitas se mistura com o burburinho dos clientes. Sentamos em tocos de madeira – não existem cadeiras no bar – e começamos uma conversa descontraída.
Eu cultivo a tradição”, Rico diz com orgulho. “Uso a pilcha por que gosto, não pra me aparecer.” Um sorriso largo surge no seu rosto quando pergunto sobre os cabelos longos e a barba saliente. “Quando eu era piá, sonhava em ter a barba e os cabelos compridos. Tanto que quando minha barba começou a aparecer me neguei a apará-la. Minhas filhas nem me conhecem sem barba, para elas sou assim desde sempre”, diz ele.
Rico me conta que com 15 anos comprou sua primeira bombacha e que de lá pra cá não usou mais outra coisa. “A única vez que eu usei calças foi no meu casamento, há 32 anos”, revela. “Outra coisa que não uso é sapato. No meu pé só entra bota, alpargata ou chinelo campeiro.”
Como proprietário do Bolicho do Gaúcho, Rico tem uma rotina pesada. “Moro aqui e passeio em casa”, conta. Apesar das dificuldades, ele diz que gosta do que faz. “Toda a minha família já se acostumou. Tenho o bar há 14 anos e pretendo continuar até quando eu puder”. Por conta da fama do estabelecimento, Rico fez inúmeras amizades com artistas gaúchos, em sua maioria músicos tradicionalistas. Ele fala com orgulho das festas que promove no Bolicho. “A folia dura o dia todo. Quando o sol nasce já estamos assando cabeças de porco, “bagos” de touro (testículos) e mais um monte de outras carnes”, diz ele. Participam dessas festas artistas como Zé Araújo, Crioula dos Pampas, Tio Nanato, Lobo Véio e até uma filha de Gildo de Freitas, Deusinha de Freitas. “A Deusinha esteve aqui na semana retrasada”, conta.
Um dos momentos marcantes na vida de Rico foi sua participação no Programa do Jô, da Rede Globo, em uma reportagem sobre a cidade de Brochier gravada para um quadro que focava municípios com nomes incomuns. “Eles vieram aqui no bar com todos aqueles aparelhos modernos”, diz. “Depois que a reportagem foi ao ar, pessoas de outras cidades vinham aqui tirar fotos e tudo mais. Ainda hoje me reconhecem nos lugares para onde vou”, revela orgulhoso.
Quando o assunto já ia ficando escasso, reparo na unha enorme que Rico ostenta no polegar esquerdo e pergunto sobre ela. “Essa unha é herança de um acidente de trabalho. Ela cresceu por cima da outra machucada e, para não correr o risco de ficar sem unha nesse dedo, deixei ela crescer”, diz ele. Rico me conta que aparou a unha pela última vez há mais de dois anos. “Quando os clientes perguntam por que deixo a unha crescer, falo que é para pegar os ovos de codorna em conserva do fundo do pote”, revela às gargalhadas.
Já no fim da conversa, pergunto se ele sofre algum tipo de preconceito em relação ao seu modo de vida e ele me diz que não. “Pelo contrário, as pessoas me dão os parabéns pelo meu jeito. Acho que todo mundo carrega nas veias a tradição e a cultura gaúcha, mas poucos tem coragem para vivê-las ao extremo”, diz Rico. Nos despedimos com um forte aperto de mão e ele me convida a voltar quando quiser. “Os ovos curtidos são cortesia da casa”, brinca. Agradeço a gentileza, mas intimamente descarto a possibilidade. Melhor não arriscar, não é?
Émerson da Costa

MORTO FALA?

O seu nome de batismo era Guilherme, mas era conhecido na pequena cidade e redondezas pelo apelido de Méme. Lugar pequeno geralmente é assim, todo mundo é conhecido por algum nome esquisito e que não tem nada a ver com o verdadeiro. Filho de colonos italianos e com muitos irmãos, Méme logo teve que abandonar os estudos para trabalhar. Arrumou emprego na única fábrica de sua cidade, a de engarrafamento e distribuição de bebidas. Sua função era ser assistente do caminhoneiro que fazia a entrega da mercadoria.
Contudo, o contato com bebidas e automóveis não era exclusividade do seu trabalho. Méme também gostava de passar horas bebendo no boteco de sua vila. Uma vez, depois de tomar umas e outras, ao sair do bar ele avistou um fusca estacionado no outro lado da rua. Aproveitou que o veículo estava aberto e, mesmo sem ter noção alguma de direção arrancou fazendo muito barulho, deu a volta na quadra e ainda tentou dar carona para outro amigo, também bêbado. Enquanto isso, o dono do automóvel corria furioso atrás deles e a cidade toda acompanhava apreensiva o desenrolar dos fatos.    
Méme era um cara emblemático. Todo mundo que viveu na região de Santa Maria – RS, nas décadas de 60 e 70 tem alguma história interessante sobre ele para contar. E essas histórias são daquelas que passam de pai para filho e acabam virando lenda. Como a que aconteceu quando ele voltava, junto com seu companheiro de trabalho e com o caminhão cheio de garrafas, da cidade de Santa Cruz do Sul. No meio do caminho, o caminhão tombou num barranco por causa da chuva e os dois ficaram presos em baixo de dezenas de engradados. Fez-se um minuto de silêncio e então o companheiro de Méme perguntou:
- Tá vivo Méme?
- Eu sim e tu?
A obviedade da pergunta de Méme faz com que todos que sabem de sua história sempre se lembrem dele por causa deste fato. Afinal, se o companheiro dele estivesse morto não estaria falando com ele, não é mesmo? 
Thiele Wiest

DUDA

  
  Nascida em Porto Alegre no ano de 1980, Duda desde pequena nunca teve uma relação amigável com sua mãe, havendo brigas e discussões diariamente. No entendimento da família, os frequentes conflitos eram normais devido a rebeldia da adolescência. Duda, apelido normalmente dado a quem possui o nome “Eduarda”, chama-se Evelize e carrega consigo esta alcunha graças ao sonho de sua tia de ter uma filha chamada “Maria Eduarda”.
       Quando tinha 22 anos, Evelize foi morar com seu noivo. Meses depois engravidou de sua filha Isabela. Ao sua filha nascer, o seu companheiro rompeu o noivado e tomou um caminho diferente do planejado por ambos. Duda retornou para casa de seus país, criando sua filha num ambiente em que ninguém respeitava a hierarquia materna, todos mandavam, mimavam e tiravam-lhe a autoridade. O pai de sua filha entrou em consenso com ela para estabelecerem dias de visitação e as formas nas quais ele ajudaria na criação. Nunca houve por parte dele algum tipo de negligência ou descomprometimento, segundo a própria Evelize.
       Depois de alguns anos, Duda começou a se relacionar com um integrante do Batalhão de Operações Especiais da polícia. Esse homem chamava-se Jean e foi bem aceito por toda a família da moça, menos pela mãe de Evelize. Em meio às costumeiras brigas e desavenças entre ela e a sua mãe, Duda foi expulsa de casa por relacionar-se com o rapaz. Sua tia, a mesma que havia colocado-lhe o apelido, abrigou Evelize e Isabela em sua residência, até que tudo fosse solucionado. Entretanto, nunca se resolveu .
        Duda foi morar com seu companheiro, levando consigo Isabela. A mãe dela procurava de todas as formas levar a neta para morar em sua casa. Entrou na justiça pedindo a guarda da criança, que na época tinha 6 anos, porém, seus esforços foram em vão. A solução foi aliar-se ao pai da menina. Um novo processo foi aberto, só que nessa ocasião pedindo a guarda para o rapaz, alegando que Duda não possuía estrutura e capacidade para criar sua filha da forma mais adequada para o progresso da menina.Até mesmo o pai de Duda, que sempre foi seu companheiro e fiel amigo, acabou tomando partido de sua esposa A ação se arrastou por algum tempo e os laços familiares foram totalmente quebrados. Ninguém mais aceitava ou compreendia o motivo pelo qual submetiam uma criança a tantos problemas.
Quatro anos de brigas e disputas judiciais se passaram e Duda, hoje casada, luta com sucesso para permanecer ao lado da filha. Contudo, quem conhecia a linda morena de espírito radiante, vê hoje uma mulher não menos bela, mas de olhar triste e cansado.
 Matheus D'Avila