Sentei-me ao lado de Alexandre Steffen, jornalista escritor dos jornais Fato Novo e Visão do Vale, 37 anos e pai de Mathias. Em minhas mãos, o formulário que havia feito para dar o pontapé inicial na entrevista, instantes antes. Delicadamente, ele pega no meu braço e diz: “Quer um conselho de alguém que já fez muito isso?” Hesitei um pouco, mas olhei para ele firme. “Converse comigo. Você anota o que foi preciso que na hora de escrever, tudo se encaixará.”
Assenti com a cabeça.
-O natal é o ponto mais alto do ano para mim- disse Alexandre Steffen, quando o questionei sobre o trabalho voluntário plausivelmente realizado a cada natal, desde o início da década de 90.
Foi um inicio triste. Uma avalanche na cidade de Bom Princípio, pequeno município situado no Vale do Caí, onde reside e realiza sua estupenda boa ação, matou várias crianças, comovendo a população. Era pleno dia de Natal. No auge da juventude de seus 17 anos, a exemplo de seu pai, Alexandre vestiu-se pela primeira vez de Papai Noel,para entregar uma bicicleta na vizinha, a pedido da família. Na jovialidade de sua ação, tropeçou e caiu. – O tombo foi feio- recorda com os olhos distantes, e um canto dos lábios ligeiramente levantados, revelando o sorriso derradeiro. Mas isso não o fez desistir, e, ao contrário, com o passar do tempo, ganhou dois companheiros, André e Jocelito. Foi no ano de 1994, quando seu trabalho voluntariado ganhou novas dimensões. No primeiro ano foram somente balas, que fizeram a alegria das crianças. No segundo ano balas e bombons, provinhas de doações anônimas e da prefeitura que exaltavam o incentivo e apoio visível a esse trabalho.
- Paraíso, local mais recorrido para a distribuição de nosso trabalho voluntário, possui um nome contraditório, são famílias miseráveis, grandes, vivendo em palafitas. Assemelha-se muito ao inferno. Numas das casas, havia uma senhora grávida cercada de sete crianças, com seus olhinhos atônitos de curiosidade. A mais velha, de 14 anos, aguardava também, uma nova criança. Não hesitamos em deixar o rancho que havíamos feito, lá.-Declarou-me ele.
Ano após ano, com a proporção que semblante ação ganhava, também elevou-se o número de interessados em contribuir de alguma forma. – Certa empresa, em um natal que me recordo, levantou um orçamento para a fabricação de bolas de futebol, ao preço de R$ 1,70 a unidade. Foi uma euforia enorme, e neste ano foram confeccionadas 600 unidades. – ressaltou Alexandre, conferindo gestos a sua lembrança.
- Porém- continuou ele – o que não esperávamos, era o erro da divulgação dos preços das bolas. Elas, ao contrário do que se havia dito, não custariam R$ 1,70. A errata resultou num pulo para R$ 7,10, que levou assustadoramente a conta final. Como o dinheiro não deu conta da encomenda, investimos nosso 13º e boa parte do salário- contou, levantando essa como uma das maiores dificuldades enfrentada, nos anos de trabalho.
Contudo, o desânimo provindo deste ano que havia passado deu espaço ao um novo personagem: o Rotary Club. A entidade, que ajudou papai Noel, preencheu, além da esperança, o sentimento natalino com uma doação de R$ 4.OOO em brinquedos,somando R$12.OOO, em três anos.
- O Rotary Club contribui todos os natais desde então, e surgem cada vez novos membros, e cada vez novas empresas doando, além de brinquedos, roupas. - Alegra-se o dito bom velhinho, que neste caso, nem é velho.
Nesses anos todos, sempre na véspera de Natal, ele se veste com a roupa vermelha, pega seu saco, se junta a seus dois companheiros, e saem no costumeiro Ford modelo A, de 1929, que não tenha dúvidas, chama a atenção. -Só não chamou mais atenção que o transporte da Padaria Balzan, de Bom Princípio mesmo, utilizado uma vez.
- De cima, eu gritava ‘ olha o cacetinho!’- Lembrando das histórias engraçadas que se desenrolaram nesses anos. –Já fui pego por um cachorro, rasguei a calça, me descuidei ao acenar e bati no estepe. Foi quando caí de cima do carro e dei cambalhota, arrancando largos sorrisos no rosto das pessoas. Foi o dia em que passei a ser conhecido como papai Noel malabarista. - Ele pausa para sorrir. - E passou-se 10 anos, até as pessoas descobrirem quem era o papai Noel de fato. Hoje me chamam carinhosamente de papai Noel Lexie- se ri Alexandre. E afirma que ama o que faz, mesmo sendo cansativo. Tratam-se de 8 horas corridas para dar conta da demanda, que valem e compensam cada segundo. São entregas de presentes, de beijos, de abraços, algumas vezes lágrimas, e esperança.
- Mas não visito somente crianças, não. Já visitamos irmãs ermitãs, que viviam isoladas do resto da cidade, no alto de um morro, sem acesso a internet e nada. E viviam felizes assim, somente com a companhia uma da outra. Certa vez, uma vovó me pediu um abraço, da sacada da sua casa, mas ela mesma quis vim receber. Ao vê-la descendo as escadarias levei um choque. Com a bacia quebrada, ela vinha lentamente, se arrastando, degrau por degrau. Foi uma cena única, emocionante. Não tem o que falar diante disso. É nesse momento que percebemos a força do sentimento natalino, e a maneira que ele paira sobre as pessoas. - Reflete ele.
-Também mexe com a gente ver crianças vestidas com a mesma roupa que haviam recebido no ano anterior, felizes, aguardando os brinquedos, e a chegada do papai Noel. –Completa, com um sorriso invejável. Ao sentir o desenrolar da história, o que mais me admirou no contexto todo foi perceber por si mesma que nada disso é feito esperando fama, ou algo em troca. Tão normal como cada um de nós, Alexandre só quer o melhor para os outros, ainda mais se essas pessoas precisam de um carinho, uma atenção a mais. A História de um homem comum, mas com um íntegro valioso, e muito interessante.
Vanessa Preuss